
Piratini,
capital da República Riograndense
Piratini ou Piratinin (denominação primitiva) na língua tupi-guarani significa "peixe-barulhento". O Rio Piratini é caudaloso e talvez por isso o nome.


Fomos conhecer um capítulo da história farroupilha.

Esta foto talvez simbolize bem a atual situação de Piratini RS:
Foi centro importante, mas está esquecida e encoberta pelas décadas que passaram por cima dela.
A caminho de Colônia Nova para a praia de Cassino, no extremo sul do RS onde aconteceria um treinamento de obreiros, quisemos abrir mais algumas páginas do intrigante gauchismo.
Piratini foi capital do movimento farroupilha que culminou na República Riograndense. Sim, uma grande parte do RS se declarou independente do Império brasileiro. Por dez anos! Acho que faltei nessa aula de História. O Uruguai recém havia se desmembrado, por que aqui também não? Sentiam-se esquecidos, desatendidos e explorados pelo governo no Rio de Janeiro do século XIX.

Ladeira típica no centro de Piratini.


Aqui funcionou o Palácio da República Riograndense, em Piratini.
O atual Palácio do Governo em Porto Alegre se chama, não por acaso, Palácio Piratini.
As características dos desbravadores que tiveram a ousadia de vir a terras tão distantes e indomadas afloravam a cada novo desafio. Vieram ao extremo sul os que sabiam das disputas de terras entre Portugal e Espanha, depois Brasil e Argentina. Vieram aos pampas os que sabiam que aqui vagavam enormes manadas de gado selvagem, que se criaram ao léu depois que as missões jesuitas foram destruídas. Vieram aos confins da terra os que queriam fazer dinheiro com o couro e a carne seca e com isso fornecer alimento para os escravos dos cafeicultores em São Paulo e Minas.
O próprio governo distribuiu sesmarias na fronteira sul, num sistema de concessão de terras a chefes militares, numa época posterior às capitanias hereditárias ao longo da costa brasileira. Sua expectativa era a proteção do território às custas dos bravos fazendeiros. Sem compromissos com qualquer apoio. Ao menos foi essa a situação verdadeira de quem vivia aqui. Conexão com a capital do império, Rio de Janeiro, somente por mar. Por isso a importância da cidade Rio Grande, no litoral sul do Rio Grande do Sul. Tudo ao sul de São Paulo era “pra lá” de qualquer relevância. Curitiba era não muito mais que um vilarejo. Porto Alegre era insignificante para o império, inclusive pela sua localização – lá nos fundos da Lagoa dos Patos.
Quando o movimento separatista ganhou força e adeptos, os estancieiros investiram seus escravos como soldados contra o exército imperial, com a promessa de que seriam livres na nova república. Eles mesmos se tornavam os comandantes das tropas. Era 1835. A república americana existia desde 1776 como modelo do “cada um por si com direitos iguais para todos”. Pessoas com tanta determinação e força de ação não careciam de ordens e proibições imperiais. Não longe de Bagé é proclamada a República Riograndense.
Como Porto Alegre era habitada tanto por separatistas como por delegados do Império e portanto submissos, os farrapos, como eram conhecidos os revoltosos por não usarem uniformes militares mas sim trapos, não conseguiram dominar completamente a capital gaucha. (O título de "Leal e Valerosa Cidade de Porto Alegre”, como foi chamada pelo governo imperial, ainda hoje é lema oficial.) Nem os recém imigrados alemães nas proximidades do Vale do Rio dos Sinos (São Leopoldo e Novo Hamburgo) estavam interessados em se envolver na encrenca. Aí a idéia de centralizar o comando separatista na cidade interiorana de Piratini. Geograficamente era o centro das terras dos fazendeiros. Dali se estendiam as ações militares e estratégicas. Na época, Bagé fazia parte do município de Piratini e se envolveu sangrentamente com a ideologia.

Colonizada por 48 famílias açorianas e com seu auge no Brasil de D. Pedro II,
Piratini hoje chama a atenção por seu gauchismo nas bombachas com botas ou alpargatas.
Histórias que a História costuma não contar.

Gonçalves assume a presidência
Em 15 de março de 1837, Bento Gonçalves, um líder farrapo preso pelos imperiais, tentou escapar da prisão, no Rio de Janeiro, junto com outros companheiros. Porém Pedro Boticário não conseguiu passar por uma janela, por ser muito gordo, e, em solidariedade, Bento Gonçalves desistiu da fuga. Depois desta tentativa de fuga, foi transferido para a Bahia. Conseguiu, com auxílio da Maçonaria, evadir-se da prisão baiana e permaneceu clandestino em Itaparica e Salvador. Depois de despistar seus perseguidores, que achavam que tinha partido para os Estados Unidos em uma corveta, chegou, via Buenos Aires, de volta ao Rio Grande do Sul e, em 16 de dezembro de 1837, tomou posse como Presidente da República. Nesta época os farrapos dominavam praticamente toda a província, ficando os imperiais restritos a Rio Grande e São José do Norte.
Bento Gonçalves, século XIX.

Cena de batalha: farrapos contra imperialistas.
Cisma religioso
Estado e Igreja na época estavam entrelaçados. Separação de Estado implicava em separação da Igreja. Constrói-se em Piratini a igreja matriz para a República Riograndense.


Um belo complexo arquitetônico cerca a Igreja matriz de Piratini. Abaixo esq.: prisão nunca usada como tal.


Com o desgaste de sua força bélica e ao custo de 47.829 brasileiros, a mais longa revolta do império brasileiro, a “república clandestina”, como é mencionada nos livros de História, fica cada vez mais fragilizada. Nem houve luta final. Bastou o Barão de Caxias, mais tarde Duque, apresentar em nome do Império um tratado de paz e reintegração, conhecido como Tratado do Poncho Verde. Aconteceu novamente próximo a Bagé, numa região chamada de Poncho Verde por ser uma campina verde ótima para o pastoreio.
Como castigo, Piratini perdeu sua categoria de cidade e foi rebaixada a vila. Em seguida, cidades como Bagé foram desmembradas. Economicamente foi como ser decepada. Nunca mais se recuperou. Nem BR passa por perto.
Piratini hoje
Com menos de 20.000 habitantes, dá tempo para estatísticas incomuns:
Galinhas: 30 299
Galos, Frangas, Frangos e Pintos: 43 928
Ovos de Galinha (mil dúzias): 389 (em 2003)
Nos despedimos de um dia muito esclarecedor passando sobre o Rio Piratini por uma ponte enferrujada mas bela. Ou será que o conhecimento torna mais belo lugares e objetos?
