
ROTA DAS MISSÕES São Borja RS
São Borja RS, às margens do Rio Uruguai, tem intercâmbio intenso com a Argentina através da Ponte Internacional. Na outra margem, Santo Tomé ARG, outra ex-redução jesuítica.
Primeira característica: muitos e muitos caminhões de carga.
Segunda impressão: a cidade vive em função da fronteira. Descuidada, sem charme, sem atrair para ficar.
Vamos ao rio.
São Borja é bem maior que Santiago.
Com certeza encontraremos uma história missioneira mais palpável.


Enchente no Rio Uruguai. Como já houve muitas. Parece que não adianta cortar as mãos de São Miguel quando ele exagera nas chuvas. Enchentes são tão regulares que os fundadores da cidade se assentaram “lá no alto”, a uns 4 km da margem. É claro que hoje os bairros pobres encostam no rio, aqui chamado de Passo por sua história, que comento mais adiante.

Agora, sim, cremos chegar na memória das Missões.
A Cruz Missioneira
A Cruz Missioneira é uma réplica da "Cruz de Caravaca", sendo Caravaca de La Cruz uma cidade na província de Múrcia, na Espanha, de onde teve origem grande parte dos Padres Jesuítas que aqui no Novo Mundo chegaram para catequizar os Guaranis e construir um modelo de civilização até então diferente de tudo visto na Europa.
A Cruz Missioneira tem por características principais os seus braços de haste dupla, e neles, ou na sua ponta, os tervos trifólicos, dos quais o terceiro ou do meio se acha invariavelmente cortado de forma reta. É o que diferencia da Cruz de Lorena, que os trevos são completos.
Então a cruz da foto é uma réplica bem baratinha e fora das normas!
Em mapa encontrado recentemente no Arquivo Geral do Vaticano, datado de 1691, e que contem a disposição e distância dos Povos Missioneiros, consta em cima de cada Redução uma cruz missioneira, o que a reafirma cada vez mais como o símbolo máximo dos 30 povos.
http://elmissioneiro.blogspot.com.br/2010/11/uma-cruz-em-minha-cidade.html
A origem da Cruz, conforme as lendas existentes em toda a Espanha, data do ano de 1232,
e que o símbolo contem fragmentos originais do lenho da cruz de Cristo.
http://www.walterjorge.com/novo/pages/caminhos-brasileiros-22---a-cruz-missioneira.php

A maior e original está na praça do templo de São Miguel.
A Cruz Missioneira já se incorporou ao imaginário do povo rio-grandense como o símbolo máximo da espiritualidade da região das Missões. O seu significado segue sendo o de proteção e é ofertada, em forma de relíquia peitoral, ou pedestal, àquelas pessoas que se querem bem. Os dois braços, que representam a distinção arquiepiscopal ou patriarcal, para diferir da cruz de apenas um braço, são interpretados pela compreensão popular como uma representação da fé redobrada.
Nada além da cruz.
Junto ao Cais do Porto, onde estamos sem ver navios, há petiscarias para o fim de tarde.
Retornaremos para uma bela porção de piava.

Circulamos pela cidade.
Algumas casas antigas, muitas casas novas e bonitas. Quem pode, tem à frente dos lotes muito compridos um gramado muitíssimo bem cuidado. Nada de “pasto”, como lá na Campanha. É trabalho de jardineiro e dos bons. Aliás, mesmo em frente a casebres há flores. O clima é uma estufa pra floricultura nenhuma colocar defeito. Mas cadê as floriculturas?
Temos a impressão de que cada um tira o máximo que pode da localização na fronteira, cada um por si e o resto que se dane. Por que junto à fronteira com o Uruguai não vemos essa mentalidade?


Um belíssimo pé de manga – doce sombra.

Frustrados com o que não encontramos, voltamos ao rio. Sentamos na Casa do Peixe e tentamos enfileirar os cacos de informações que tínhamos sobre as
O Udo vai conversar com os pescadores.
Missões Jesuíticas
Ah, foram dois períodos de missões.
Primeira fase:
Os jesuítas, ordem fundada pelo espanhol Inácio de Loyola em 1534, atrairam os mais cultos jovens da época. Criaram a Companhia de Jesus - para "desenvolver trabalho de acompanhamento hospitalar e missionário em Jerusalém, ou para ir aonde o papa nos enviar, sem questionar". Nesta ocasião fizeram os votos de pobreza e castidade. A Companhia se torna a mais importante arma da Contrarreforma. (Os menonitas, grupo da Reforma, surgem 1525).
Desde 1549 chegara ao Brasil (Bahia) o primeiro grupo de seis missionários liderados por Manuel da Nóbrega, trazidos pelo governador-geral Tomé de Sousa.
Em seu fervor missioneiro, os jesuítas avançam continente adentro. Mas os fazendeiros paulistas precisam de escravos e os bandeirantes, com a aprovação das coroas portuguesa e espanhola, estraçalham as reduções indígenas.
O gado fica solto e se multiplica aos milhares.
Segunda fase:
Dentre as causas apontadas pelos historiadores para o retorno dos jesuítas às antigas reduções estão a abundância de gado na região e o desejo da coroa espanhola de assegurar a posse daquelas terras, em virtude da crescente presença portuguesa no sul. Contudo, essas teses são controversas. Lembrem-se, pelo Tratado de Tordesilhas, tudo a oeste de Crisciúma é espanhol. Mas os bandeirantes portugueses/brasileiros avançam com avidez.
Seja como for, a partir de 1682 os Jesuítas começaram a voltar para as suas antigas terras, e neste mesmo ano foi fundado o primeiro dos Sete Povos: São Francisco de Borja, seguido por São Nicolau, São Luiz Gonzaga e São Miguel.

São Francisco de Borja
A primeira a nascer, fundada pelo padre Francisco Garcia, era uma extensão da redução de Santo Tomé, Argentina, de onde saíram 195 pessoas, atravessando o Rio Uruguai no chamado Passo. Em 1707 esta redução contava com 2814 habitantes. Desta redução nasceu mais tarde a cidade de São Borja.
Declínio
No século XVIII, a região estava sob disputa entre Espanha e Portugal. O Tratado de Madri de 1750, retificando a injustiça do Tratado de Tordesilhas, havia posto a área à disposição de Portugal em troca da Colônia do Sacramento, atual Uruguai, e a saída dos Jesuítas espanhóis ali ficou decretada. Mas este Tratado gerou conflitos: nem padres nem índios queriam abandonar suas reduções, nem os portugueses queriam abandonar Sacramento. Houve uma série de confrontos armados que culminaram na Guerra Guaranítica com seu herói e mártir Sepé Tiaraju. Um rastro de destruição e sangue abalou as estruturas do sistema missioneiro.
Logo depois veio o fim: com a intensa campanha difamatória que os Jesuítas sofreram a partir de meados do século XVIII – haviam se tornado poderosos demais para as coroas, a Companhia de Jesus foi expulsa de terras portuguesas em 1759, e em 1767 a Espanha fez o mesmo. No ano seguinte todas as reduções foram esvaziadas, com a retirada final dos Jesuítas. Então suas terras foram apossadas pelos espanhóis e os índios foram subjugados ou dispersos.
Quando em 1801 eclodiu nova guerra entre Portugal e Espanha, os Sete Povos já estavam em tal estado de desintegração que com apenas 40 homens Manuel dos Santos Pedroso e José Borges do Canto conseguiram conquistá-los para Portugal, embora pareça ter havido a participação indígena como facilitadora da tomada de posse. Depois disso Portugal anexou o território ao Rio Grande do Sul, instalando um governo militar na região, encerrando todo um ciclo civilizatório e dando início a outro.

Por que justo agora aparece um arco-iris?
Um pé na Argentina, outro no Brasil.
No dia seguinte ...
É terça-feira
Abrem os museus de São Borja.
Na verdade, são as duas residências de ex-presidentes, Vargas e Jango, ambas na mesma rua. Os memoriais em suas próprias casas são muito bem feitos e cuidados com carinho, quase devoção.
Curiosidade
Na família Goulart valia a ordem da época: filhas solteiras ficam em quartos anexos ao dos pais com portas internas para controle total; quarto de filho homem tem acesso direto ao jardim, a poucos passos do portão da rua.

Ao lado, porta de entrada da Casa Goulart.
Abaixo esquerda: a porta aberta leva ao quarto do filho.
Abaixo à direita: jardim dos Goulart.




Getúlio Dornelles Vargas (1882-1954)
Presidente do Brasil
1930-1945 e 1950-1954
João Belchior Marques Goulart (1919-1976)
Presidente do Brasil
1961-1964
Próximo museu:
Museu Ergológico Os Angüeras
Aula de português:
ergológico: ergos = trabalho + logos = estudo
O museu contém acervo sobre o trabalho e a herança material do povo campeiro nas estâncias e fazendas missioneiras. É um dos melhores museus do gênero no Brasil.
“Os Angüeras” são um grupo musical folclórico que adquiriu a propriedade, juntou material e patrocina o museu com seus shows. Muito louvável!



Como eram construídas as casinhas de pau a pique dos fazendeiros: madeiras verticais entrelaçadas com bambu, amarrados com cipó e vãos preenchidos com barro. Por fim, cinzas para repelir insetos. Chão de barro, óbvio.
Aliás, os menonitas que fundaram Colônia Nova RS em 1950 construíram suas casas exatamente assim.
Isso quando não viviam nas carroças cobertas de sapé, normalmente usadas para longas viagens.
No dia a dia, soluções surpreendentes:
À direita, “assento” feito entrelaçando dois ossos de bacia de animal. Por cima, um pelego de ovelha garantia conforto.
Abaixo à esquerda: pinico de gestante, mais alto que os normais.
Abaixo à direita: rolo em madeira para sovar a massa de pão.



Por fim, quero ver o Cemitério dos Paraguaios.
Não que eu seja tão paraguaia assim. Mas ter nascido lá, neta de imigrantes fugidos do comunismo na Rússia em 1930, carregou minha biografia de elementos marcantes.
Guerra do Paraguai 1864-1870
O maior conflito armado internacional ocorrido na América do Sul.
Episódio ocorrido em São Borja, ainda na fase de ataque do Paraguai:
O Paraguai invade o Rio Grande do Sul
Uma tropa de 10.000 paraguaios, sob as ordens do tenente-coronel Antônio de la Cruz Estigarribia, cruzou a fronteira argentina ao sul de Encarnación, em maio de 1865, dirigindo-se para o Rio Grande do Sul. Atravessou-o no rio Uruguai na altura da vila de São Borja. Alcançando o Rio Uruguai, a força se dividiu em duas colunas e rumaram para o sul, marchando em ambas as margens do rio. Estigarribia liderou cerca de 7.500 homens na margem leste, e o Major Pedro Duarte comandou 5.500 homens na margem oeste. Os paraguaios encontraram pouca resistência dos argentinos na margem oeste ou dos brasileiros na margem leste.
São Borja foi tomada em 12 de junho. Uruguaiana, mais ao sul, foi tomada em 5 de agosto sem apresentar qualquer resistência significativa ao avanço paraguaio.
Lembrando de Uruguaiana ...
O Exército Brasileiro, em reação ao ataque paraguaio, chegou à fronteira do Rio Grande do Sul e logo depois cercou Uruguaiana. A tropa recebeu reforços e enviou pelo menos três intimações de rendição a Estigarribia. Em 11 de setembro Dom Pedro II chegou ao local do cerco, onde já estavam os presidentes argentino Bartolomé Mitre e uruguaio Venancio Flores, além de diversos líderes militares, como o Almirante Tamandaré. As forças aliadas do cerco contavam então com 17.346 combatentes, sendo 12.393 brasileiros, 3.802 argentinos e 1.220 uruguaios, além de 54 canhões. A rendição veio em 16 de setembro quando Estigarribia entrou em acordo em relação as condições exigidas.
Encerrava-se com esse episódio a primeira fase da guerra, em que Solano López lançara sua grande ofensiva nas operações de invasão da Argentina e do Brasil.

Na terceira tentativa, achamos o tal do Cemitério Paraguaio.
“Ah, tem apenas uma cruz. O resto a Prefeitura tirou tudo”, nos informa um morador da favela no meio da qual está a única referência visível da invasão de Solano López na região.
O tempo faz crescer árvores sobre tragédias.
Sim, a definição do que é um povo e um país tem sido dramática em muitas regiões da terra.
Rio Grande do Sul foi sacudido durante tres séculos. Em meio a tudo isso, jesuítas tentam criar um novo reino, um reino de paz e prosperidade.

Vamos a São Miguel,
a “capital” dos Sete Povos guaranis,
hoje Patrimônio Mundial da Humanidade.